terça-feira, agosto 15, 2006

Heidegger

HEIDEGGER


I. Alexandre Marques Cabral

Na Idade Média só o divino teve valor, só a existência humana na sua configuração religiosa teve valor. A partir da modernidade, só o que pôde ser comprovado pelos métodos da ciência é que tem valor real. Todos estes reducionismos são frutos do esquecimento da diferença irredutível entre ser e ente – diferença ontologia. No pensamento ôntico, só a identidade é pensada, esquecendo-se a diferença (ser).

“Só se pode produzir a partir do modelo industrial”, “só o modelo industrial é válido para a cultura ocidental”... O “só” é o símbolo da cultura ôntica no Ocidente. O “só isto” e o “só aquilo” mostram o pressuposto reducionista que orienta nossa percepção da totalidade dos entes que nos circundam.

Diante do perigo da “onipotência reducionista” do pensamento ôntico, urge que se pense a realidade através de um novo horizonte que permita que se transcenda o universo do ente, levando, portanto, ao horizonte do ser. Faz-se mister que a diferença entre ser e ente esteja presente neste novo horizonte, onde o problema do ser deve ser colocado.

Mas a fenomenologia utilizada por Heidegger passa a diferir-se da de husserl. Enquanto este se atém, ainda, a um modelo idealista gnosiológico, Heidegger entenderá fenomenologia como hermenêutica do homem enquanto Dasein.

O ser como potência e ato – Todo ser apresenta algo já realizado e algo que é capaz de realizar. O primeiro é o ato, já o segundo é potência. O binômio ato-potência se estende, segundo Aristóteles, aos demais significados do ser.

O último dogma advindo da tradição metafísica apontado por Heidegger é que “o ser é o conceito evidente por si mesmo”. Em toda sentença pronunciada pelo homem no cotidiano, faz-se uso do ser. Dizemos: “a laranja é amarela”, “a nuvem é branca”, etc; assim, acreditamos que compreendemos o que queremos dizer com o “é” das proposições, mas tal compreensão é vaga e mediana. Esta compreensão não nos mostra que devemos abandonar a investigação acerca do sentido do ser, mas mostra-nos que o ser, neste sentido, é algo obscuro, devendo, portanto, ser aclarado por elucidação profunda e questionadora.

N a intencionalidade, a consciência é algo aberto. Há uma certa simbiose entre consciência e real. A consciência é sempre consciência de alguma coisa. Isto permite a superação do modelo dualista advindo da modernidade. Esta abertura permite que vejamos dois movimentos que ocorrem na relação conciência-objeto. O primeiro movimento é o do objeto à consciência e o segundo vai da consciência ao objeto. O objeto é, nesta relação intencional , segundo a moneclatura de Husserl, nóema; e a consciência é a nóesis. Na ação da consciência sobre o objeto ocorre o ato de dar sentido.

O termo dasein, em alemão, é comumente traduzido por existência, ato de existir, algo presente. Neste sentido se insere o termo Dasein em Hegel e em Kant. Tanto na “Ciência da lógica” (Hegel) quanto na “Crítica da razão pura” (Kant), o termo Dasein é o ser determinado, a efetividade da presença de algo, o actus essendi, o “real”. A diferença entre os dois é que em Kant o Dasein é entendido como existência do ente que é dada pelo transcendentalismo da estrutura de conhecimento que se insere no sujeito. Neste sentido, real é o que se adeqüa ao aparato transcendental a priori do conhecimento. Em Hegel, a existência de algo é dada pela superação da negação que ocorre no espírito, a partir de um movimento dialético intrínseco ao próprio espírito.
Vê-se, então, que o ser mesmo, o ser mesmo, o ser subsistente é o que S. Tomás contempla em primeiro lugar de Deus. E por ser Deus o ser subsistente, o Doutor Angélico conclui que nele se encontram todas as perfeições. Porque Deus, diz ele, é o próprio ser mesmo subsistente, nada da perfeição do ser lhe pode faltar. Todas as perfeições pertencem à perfeição do ser.

A essência do divino identifica-se com a atualidade em exercício, (exercitae actualitatis), ou com o próprio ser subsistente.

O termo mundo tem uma diversidade de significados. No âmbito cristão, o termo mundo assume um caráter pejorativo – por exemplo, secularização é sinal de profanação – ou um caráter escatológico – por exemplo, “ o mundo ira acabar”.

Ainda no cristianismo, o termo mundo (kósmos) pode assumir outros significados. Em São Paulo, o termo mundo indica um modo de ser do Dasein ( ser-aí) que o afasta de Deus. É a famosa he Sophia tou Kósmou (sabedoria do mundo). Nos escritos joaninos, especialmente no evangelho, o conceito de kósmos indica ser-aí como ser-homem simplesmente. Nesta simplicidade, o homem se comporta diferenciando-se do modo humano de relacionar-se com Deus.

Kósmos houtos significa em Paulo (vide 1. Coríntios e Gálatas) não apenas e não primariamente o estado do “cósmico”, mas o estado e a situação do homem, a espécie de sua postura diante do cosmos, seu medo de apreciar os bens. Kósmos é o ser-homem como de uma mentalidade afastada de Deus (he Sophia tou kósmou). Kosmos houtos designa o ser-aí humano, numa determinada existência histórica que distingue de uma outra que já está despontando (aion ho mellon). Com inusitada freqüência – sobretudo, em comparação com os sinóticos -, usa o evangelho de São João o conceito de kósmos, e ao mesmo tempo em um sentido bem central. Mundo caracteriza a forma fundamental de afastamento de Deus do ser-aí humano, o caráter do ser-homem simplesmente. De acordo com isto, é então mundo um nome que designa de maneira geral todos os homens juntos, sem distinção entre sábios e tolos, justos e pecadores, judeus e pagãos.

De um lado, significa, mundus, segundo Agostinho, totaliade do que foi criado. Mas com a mesma freqüência mundus em lugar de mundi habitatores. Este termo tem, por sua vez, o específico sentido existencial de dilectores mundi, impii, carnales. No primeiro significado mundo designa ens creatum. A segunda significação de mundus quer dizer o habitare corde in mundo como amare mundum, o que é igual a non cognoscere Deum.

Do mesmo modo, Tomás de Aquino usa mundus uma vez com a siginificação igual a universum, universitas creaturarum; mas, ao lado disto, também com o significado de saeculum (mentalidade mundana) quod nomine amatores mundi significantur. Mundanus (saecularis) é aqui antônimo de spiritualis.

NO pensamento de Leibniz, a concepção de mundo como creatum ainda subsiste. Tanto para o pensamento clássico cristão quanto para Leibniz, o conceito depende de Deus.

Em Kant, mundo designa, por conseguinte, tanto conforto de todos os fenômenos como conjunto de todos os objetos da experiência possível.

Deve-se mencionar, também, que o ser-no-mundo é sempre meu-ser-no-mundo. Isto mostra que a familiaridade é sempre singular; cada Dasein mantém uma relação ímpar com o “seu” mundo.

Portanto, não há deslocamento de sujeito para o objeto,como pensou a filosofia idealista moderna, já que, originariamente , o Dasein já é-em-comunhão, já é “deslocado”, já é aberto. Não há saída do sujeito para o objeto, pois o Dasein é sempre “saído”, “fora” de si.

Descartes e o pensamento posterior a ele têm, como característica comum, o slipsismo que norteia todo pensamento moderno. O eu é o fundamento de todo pensamento que, de alguma forma, busca a certeza. Spinoza, Leibniz, Kant, Fiche, Hegel,etc, começaram suas doutrinas a partir do EGO humano. O ego é, no pensamento moderno, o sujectum, o substrato que legitima todo e qualquer sistema do pensamento: a substância, o substrato, o fundamento absoluto do real. Até mesmo husserl, com seu “eu transcendental”, não foge da modernidade, já que este (eu transcendental) é considerado fundamento dos entes.

Desta forma, a análise do eu reduziu-se a uma substancialização do ente humano.

Heidegger, para falar do ser-com (mit-sein), utiliza o exemplo do banco ancorado na praia. Ao olharmos um barco ancorado na praia, notamos que este refere-se, necessariamente, a alguém: há uma pessoa que o utiliza de alguma forma. Este ser simplesmente dado – Barco – refere-se aos outros Dasein. Isto acontece com todo ente feito (construído) pelo Dasein: ele sempre se refere aos outros Dasein. Os outros não são realidades acrescentadas pelo pensamento às coisas simplesmente dadas; Por isso, mesmo, podemos dizer, não há uma justaposição ôntica de um outro dasein à coisa simplesmente dada. O outro se insere em um mundo que , por sua vez, é sempre o meu.
Na base desse ser-no-mundo determinado pelo com, o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros. O mundo da da pre-sença é mundo compartilhado. O ser-em é ser-com os outros. O ser-em-si intramundano destes outros é co-presença.

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